segunda-feira, julho 03, 2006

Ipê

Enquanto caminhava pegando o sol no rosto depois de ditada minha liberdade, me sentindo adulto demais pra roupa que usava, pensava no ipê florido que queria para mim. Queria sim, naquele momento, a árvore inteira para mim. Queira ler com a cabeça encostada naquele ipê, e em nenhum outro.
Desisti. Grande demais para roubar, caro demais para pagar. Nunca tinha querido roubar algo vivo, nunca. Geralmente roubam-se corações, olhares, beijos. Nunca fiz isso. Quem sabe devesse.
As árvores da beira-mar não tem dono. Podia me encostar nelas para ler. Seria mais fácil. As músicas que escutava dentro de mim me faziam pensar em coisas nas quais não queria me concentrar. Ter visto pinguins falando em frânces e andando delicadamente em fila indiana amoleceu meu coração. Adoro pinguins. E o primeiro que vi, ao vivo, estava morto. Duro, com a nadadeira apontando para o nada. Nessa mesma beira-mar. Torci os dedos para não encontrar mais nenhum cadáver, e andei a linha reta.
Adoro os onibus. Se fosse para morrer atropelado, seria por um. Cheio, pessoas alheias, não para chocar, mas para servir de exemplo.
Somos frágeis.
Por falar nisso, há quanto tempo eu não me molhava de mim? Quanto tempo sem derrubar uma lágrima? Doeu. Uma apenas, grossa, pastosa, salgada demais. Devia estar saturada. Acumulada. Desceu lentamente pela face, lábio superior, inferior, como que para me lembrar do gosto. Queixo. Peito. Absorvida pela lã. Senti o gosto do mar, mesmo estando sentado a metros de distância. Não chorei pelo pinguim. Nem por mim. Só chorei.
Quem entende? Eu não. Nem por mim, nem de mim.
Folheei as páginas, lendo sim, mas sem pensar. Provavelmente eu vá retornar...
Queria entender mais de pessoas, assim quem sabe entendesse mais de mim. Queria saber ler mais e melhor, assim quem sabe estivesse sempre sabendo. E queria, acima de tudo, não me deparar com coincidencias. Detesto a sensação de que tudo já estava escrito.
Não creio. Em quase nada. Talvez em mim, o suficiente para estar vivo.

Queria também ter meus ouvidos tapados. Queria também saber francês e braile. Queria talvez brincar de cego. Queria talvez estar mais perto. E mais longe. Queria, sim, saber exatamente o que eu quero. Não sei. Você pode dizer?

Queria muito, também, entender o que sinto. Me dói a ignorância interior. Me dói a teimosia em mesmas coisas. Diga pro erro que é hora de acertar. Diga pra mim quanto dá um coração dividido. Diga pra mim que mesmo pensando que nem existo, estou aqui... Diga pra mim que me vê, que me lê, que está comigo. Como na música das Coco, como no poema do Leminski, como na música da Marisa, como no texto do Neruda. Como no ipê roxo florido, colorindo o jardim de inverno.

Pisei nas flores, mesmo estando do outro lado da cerca. Meus pés estalaram com as folhas e flores. Fiz uma poça de sangue roxo no chão. Pisei na flor, pisei na árvore, pisei em mim. Pisei, pisei, pisei.
E cheguei ao mar. E senti a maresia. Talvez quisesse o mar em mim, tamanha é a tempestade. Talvez quisesse fugir a nado dessa ilha, seguindo a sul... ou a norte.


Me faça companhia, estou tendo uma crise de relacionamento com meu amor, comigo. Me faça companhia, preciso de terapia de casal, mesmo que seja comigo mesmo. Me faça companhia, faz frio. Quero um abraço pra dormir direito.


Colorir meus sonhos, de roxo, é mais simples assim. Pelo menos o azul eu já tenho, dentro de mim.
Falta, agora, o vermelho.

4 comentários:

Anônimo disse...

Vc é estranhamente encantador..
Estranhamente atraente...
Estranhamente melancólico...
Estranhamente estranho
Vc é um olhar que eu nunca esqueci...
Um desejo esquecido...até reprimido pelo tempo...
UM estranho que eu ainda gostaria de conhecer melhor....
Vc é estranhamente sentimental...
E eu estranhamente um idiota
Paralisado diante da tua imagem...
Vc é aquele que um dia eu olharia para trás, e te buscaria de volta....

Seu reflexo no vidro...
Segredos
Enganos (?)
Não sei...
Só sei, enfim,
Que meu calor talvez um dia poderia encontrar -se com a sua frieza, e juntos transformar-se tempestades......mas depois da tempestade, sempre vem a calma....

Estranhamente Lindo.

Debra. disse...

tu sabe, né. eu poderia ter dito tudo isso, não fosse a impossibilidade de dizer, de pensar, de sentir, de tanto que se pensa e sente e diz.

e eu piso, e pulo. é, me sinto pulando.

as coisas continuam a acontecer, eu sempre me esqueço disso.

acho que nunca fui tão aleatória, tão desembestada a falar, por mim, por mim, por mim e por toda a gente, e por todas essas coisas que me consomem e me pisam e eu piso, e pulo.

ricardo disse...

pulemos juntos.


de braço dado, a música oito.
pulemos.

Anônimo disse...

nunca vi um passeio na beira-mar tão romântico..
quase que posso dizer que te vi lá..
;**